Uma frase, plena, apartada, principia a jornada de um álbum conceitual. No timbre translúcido, algo percussivo, e na melodia a ondular rumo ao repouso, manifesta a inspiração da obra. É a água; em si, em seu papel para a vida prosperar, em sua sujeição a quem dela dispõe. Instantes adiante em Life Cycles, faixa inicial de H2O, a melodia e a harmonia unem-se. A expectativa que as antecede realça quão simbólica, e crucial, é a passagem. Nela, padrões começam a emergir, se entrelaçar e recorrer. Floresce o ritmo, em sentido amplo, das oscilações no âmago da nota ao que excede o compasso. São os ciclos da música, em metáfora dos ciclos que da água dependem, os da vida.
Corciolli lança seu olhar sobre a temática de H2O; ergue-o da essência da linguagem sonora. Nela, nada é realmente extramusical. A suíte em oito movimentos que compõe o álbum revisita importantes legados da música eletrônica, inspirada pelas sonoridades orquestrais produzidas por Isao Tomita (1932-2016), Vangelis (1943-2022) e expoentes da chamada Berlin School, como Klaus Schulze (1947-2022).
Na polifonia a se delinear no 3º movimento, Méduse, há um jogo de camadas diáfanas, que se apartam e se interpenetram — à maneira da criatura marinha de tentáculos transparentes que, aos olhos, mutuamente se atravessam. Sobre terras congeladas, cujo derretimento ameaça a atmosfera, a dramaticidade de Permafrost ergue-se já no timbre minaz que a anuncia e se completa com ecos, a sugerir vozes, aludindo aos agentes do infortúnio ambiental. A união entre suíte e álbum conceitual avulta o traço que lhes é comum: o todo maior a resultar das partes. Cada movimento de H2O se completa em si; algo mais, porém, surge ao escutá-los, na sequência, do princípio ao fim.
Com lançamento no dia 22 de março, Dia Mundial da Água, o trabalho é um convite permanente à reflexão de nossas responsabilidades ambientais e humanitárias. Qual é, de fato, nosso papel nos ciclos da vida?
Texto: Daniel Bento – @enxerguemusica